Agenor Calazans da Silva Filho (*)
Considerando a experiência de alguns – vamos lá, mais de alguns – anos de atuação profissional aceitei o desafio de estar em salas de aula na suposição – talvez presunção – de que pudesse transferir ou ajudar a obter algum conhecimento na área do Direito. Na Universidade Federal da Bahia, um aluno, “armado” de sua certeza da velhice da CLT, me interpelou de se já não passou da hora de alterar a legislação trabalhista. Sim e não, tentei explicar ao aluno e ao pessoal da sala. Sim, porque não existe regramento perfeito e, com o passar do tempo, toda e qualquer legislação carece de modificação. Não, porque não passou da hora, pois sempre haverá essa necessidade, de modo que sempre é hora. Da conversa pude extrair que, na verdade, esse aluno nunca – nunca mesmo – tivera qualquer contato direto com a legislação que acusava de velha e na Faculdade era o momento de ser apresentado à disciplina. Na verdade, estava ele a repetir o que as pessoas dizem apenas porque ouviram dizer, e outras repetem e assim sucessivamente. Não, a CLT não é velha! Sim, ela data de 1943, quando foi aprovada, mas o seu texto já não é mais o mesmo. Quem quer compulse o volume impresso da CLT verá que a maioria – digo-o sem receio de erro – a maioria, repito, dos seus artigos tem redação alterada por leis posteriores, algumas, não poucas, bem recentes, talvez até do dia de ontem! A hora da mudança é sempre. A Lei – tenha ela por mira qualquer que seja o aspecto das relações sociais (trabalhista, civilista, comércio, consumo, família, fiscal, criminal etc.) – sempre vem depois de ocorrerem fatos que a torne necessária. O maior grau de complexidade ou mesmo a mera inovação das relações vai implicando, a cada vez, necessidade de nova disciplina, nova lei, novo código, novas regras. A CLT contém regras boas e ruins, a depender da apreciação e convicção de cada pessoa e de sua capacidade de distinguir o que é melhor para a sociedade do que seria melhor no atendimento de seus próprios interesses.
Contém regras já em desuso, mas isso não é peculiaridade sua. Os Códigos Civil, Penal, de Processo Civil e de Processo Penal, assim outras leis importantes, contêm disposições que restaram vencidas pela realidade e que, por isso mesmo, caem no desuso. Como dito, a CLT foi aprovada no ano de 1943, mas suas disposições são atuais. A disciplina sobre anotações da Carteira de Trabalho, por exemplo, foi atualizada pela Lei 10.270/2001, enquanto que a disciplina sobre jornada de trabalho teve atualização também no ano de 2001, pela Medida Provisória 2.164-41. As regras sobre higiene e segurança do trabalho receberam alterações no ano de 1977 (lei 6.514) e as do contrato de aprendizagem neste ano – sim, neste ano de 2008 – pela Lei 11.788/2008. Não é velha a CLT, muito pelo contrário, é bem nova. A CLT congrega regras de direito material, tratando das relações dos sujeitos do contrato de trabalho (empregado e empregador), mas também regras do direito processual do trabalho, disciplinando as ações trabalhistas e nesse campo (o processual), apesar de severas críticas da doutrina especializada tocante à carência de melhor sistematização, impõe-se reconhecer quão inspiradoras são as suas normas. Apregoa-se hoje como grande avanço no processo civil a “novidade” da adoção do chamado processo sincrético, que consiste, basicamente, na reunião no mesmo caderno processual das fases cognitivas e de execução. No processo trabalhista sempre foi assim, pois orientado pela certeza jurídica de que a parte não deseja meramente a prestação jurisdicional, mas ver realizado o direito, a entrega do bem disputado. O processo civil passou a adotar citação pela via postal, procedimento que o processo trabalhista adota desde sua criação. No processo civil foi instituída a antecipação de tutela no ano de 2002, pela Lei 10.044 daquele ano. Referido provimento provisório já era existente no processo do trabalho, embora sem o nome de antecipação de tutela, pois a CLT, no artigo 659, fixara a competência do Juiz para conceder “medida liminar”, em reclamações trabalhistas que visem “tornar sem efeito transferência (de empregado)” (inciso IX) ou “reintegrar no emprego dirigente sindical afastado, suspenso ou dispensado pelo empregador” (inciso X). Vamos adiante. A desconsideração da pessoa jurídica, tão propalada como grande descortino do atual Código Civil, não passa de reprodução, com outra roupagem, daquilo que do texto da CLT se extraía como despersonalização do empregador (artigos 10 e 448). No atual Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) está a previsão da inversão do ônus da prova, providência freqüente nos processos trabalhistas trilhados pelas disposições da CLT sob a inspiração de que a prova sempre deve ser exigida de quem tem aptidao para produzi-la. Renovar é preciso, sempre. Atualizar é necessário. A CLT tem idade, mas não é velha no sentido de vencida. Precisa ser repensada, sim. Toda lei precisa.
Esta materia foi publicada no jornal A Tarde de 25.11.2008.
(Tive a satisfação de trabalhar na Juta de Conciliação e Julgamento de Conceição do Coité ( Justiça do Trabalho ) na função de Juiz Classista quando o Dr. Agenor Calazans era Juiz Presidente, Ass. Carlos Miranda Lima Filho).
Comentários:
Postar um comentário